ChatGPT: revoluciona ou não a sociedade?

Atualmente, muito se tem discutido sobre os dilemas da Inteligência Artificial (IA) e seus verdadeiros impactos em todos os aspectos socioeconômicos mundiais. O ChatGPT, desenvolvido pelo OpenAI, surge nesse contexto como uma ferramenta — software — baseada na IA que desempenha um papel de chatbot, ou seja, ele tem a capacidade de criar uma linguagem fluida e semelhante aos humanos, mantendo uma interação com quem o utiliza para oferecer soluções rápidas e qualificadas. Segundo a OpenAI, o também chamado robô alcançou mais de 100 milhões de usuários em janeiro deste ano, apenas dois meses após seu lançamento. Essa busca acelerada pela plataforma é explicada pela característica de toda tecnologia disruptiva: substituir um processo ou criar uma nova maneira de produzir e operar.

Ao mesmo tempo que essas características atraem olhares de empresas, organizações e pessoas, elas também dão espaço a outras perspectivas que o ChatGPT pode apresentar, dentre elas, o controle de uso, a falta de vigilância e principalmente o discernimento do virtual e do real. Dessa forma, especialistas em IA divulgaram, no final de março, um pedido para pausa de seis meses nas pesquisas de desenvolvimento da ferramenta, a fim de frear a tendência para entender melhor os limites de informações e inovações para qual a sociedade está preparada.

Esse documento foi assinado por líderes da tecnologia mundial, incluindo Steve Wozniak — cofundador da Apple — e Elon Musk — dono do Twitter, Tesla e SpaceX —, sendo que alguns países já aderiram ao afastamento da plataforma: a Itália baniu temporariamente o ChatGPT; o Reino Unido anunciou planos de regulamentação com leis já existentes; a União Européia propôs uma nova legislação que irá restringir alguns recursos; o Brasil prepara um projeto de lei (nº 21/2020) para regulamentar o uso das Inteligências Artificiais como um todo, podendo advertir e multar em até 2% do faturamento da empresa.

Enfrentando discussões ou não, o ChatGPT oferece milhares de possibilidades para tarefas simples do dia a dia à projetos complexos, sejam eles ligados a texto, cálculos, idiomas, mensagens e até planejamentos.  

MERCADO DE TRABALHO

Para o mercado de trabalho, o ChatGPT ganha um protagonismo significativo já que ele ajuda a aprimorar e otimizar processos que levariam mais tempo para serem realizados. Portanto, as transformações de funções corporativas já são vistas em áreas como direito, marketing digital, jornalismo, RH, tecnologia e contabilidade, perpassando por diferentes atividades como criação de apresentações, relatórios e releases, aumento de tráfego e melhoria no campo SEO, atualização de códigos de programação e identificação de bugs, recrutamento e seleção de profissionais e geração de imagens e vídeos personalizados.

Consequentemente, essas mudanças estimulam alguns profissionais por apresentarem recursos que ajudam na produtividade e na entrega eficiente de trabalhos. Contudo, também preocupam outros profissionais que acreditam na substituição das suas tarefas pela tecnologia e temem o futuro das profissões. Atualmente, a plataforma disponibiliza uso gratuito e, também por meio de uma assinatura de US$ 20 por mês. Com as constantes inovações tecnológicas, automaticamente, novos modelos de negócio começaram a ascender e se destacar no mercado. Com isso, o ChatGPT exige de empresas o alinhamento — por meio de estratégias de gestão e marketing — com recursos tecnológicos para manter-se à frente.

Nesse cenário, a Plooral, plataforma de recrutamento e treinamento, lançou o primeiro processo inteligente para geração de descrição de vagas utilizando o ChatGPT. A iniciativa facilita e agiliza o processo de seleção, fortalece a conexão com os candidatos e minimiza a possibilidade de preconceitos. No ramo da telefonia, a Vivo está desenvolvendo uma nova versão de chat inspirada no ChatGPT, buscando oferecer recursos eficientes para os clientes e um atendimento de qualidade. Já no mundo das Big Techs, a Microsoft anunciou que irá investir US$ 10 bilhões na OpenAI e incluir os recursos da inteligência artificial em todos os seus produtos. Em contrapartida, a Amazon — que gera uma receita anual de US$ 469,8 bilhões — proibiu o compartilhamento de códigos da empresa com o ChatGPT. 

ENSINO E INCLUSÃO EDUCACIONAL

Assim como no mercado de trabalho, o uso do ChatGPT na educação atinge alunos e professores com sua eficiência para criar uma linguagem inteligente e realizar, por exemplo, atividades escolares repetitivas e padronizadas.

De acordo com uma pesquisa realizada em março deste ano pela Impact Research, no ensino básico americano, 40% dos professores utilizam o ChatGPT semanalmente e 10% quase todos os dias, sendo que mais de 30% destes usam como forma de planejar aulas e construir ideias. Essa mudança de perspectiva proporciona o investimento tecnológico em centros de pesquisa e qualificação de alunos. De acordo com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, atualmente existem 6 Centros de Pesquisa Aplicada (CPA) em Inteligência Artificial no Brasil, apoiados por um período de cinco a dez anos. Entre eles, estão o Centro de Excelência em Pesquisa Aplicada em Inteligência Artificial para Indústria, localizado no SENAI Bahia e o Centro de Referência em Inteligência Artificial, desenvolvido na Universidade Federal do Ceará.

Outro fator importante para o investimento na ferramenta é o acesso inclusivo para alunos com Transtorno de Espectro Autista (TEA), já que a plataforma do ChatGPT auxilia o aluno não só a se expressar melhor, mas também induzir a criatividade a partir das diversas maneiras de expor os conteúdos, traduzindo termos, frases e atividades para uma linguagem completa e de fácil entendimento. Entretanto, especialistas indicam a necessidade de evitar o uso excessivo e indiscriminado da ferramenta que — mais uma vez — se encontra na posição de prejudicar o desenvolvimento criativo dos estudantes e a originalidade das produções. 

INDÚSTRIA DOS GAMES

A integração do ChatGPT no mundo dos games se deu de forma ainda mais rápida e desenvolvida. Apesar de apresentar recursos importantes para a criação de games, a experiência para quem joga ainda precisa ser rígida, de acordo com especialistas. As inúmeras possibilidades de gerar imagens, sons sensíveis e vídeos na linguagem da programação, de forma rápida e eficiente descreve a ferramenta como o braço direito para desenvolvedores e UX designers. Através de prompts (comandos) específicos é possível receber respostas ilimitadas sobre o que foi solicitado que ajudam na criação dos jogos.

Um projeto que se destaca nesse cenário é o Salcity Card Game, um jogo de cartas baseado nos card games mais populares do mundo como Magic, D&D e Spellfire. O grande diferencial do Salcity é que ele se passa no metaverso da cidade de Salvador. Com o auxílio da IA (Midjourney), todas as imagens das cartas são desenvolvidas por meio de comandos específicos. Na outra face do jogo, especialistas alertam que os jogadores e personagens, através de uma conversa de texto generativa, podem ter acesso a uma linguagem direta virtual, mas que não é humana. Ao utilizar o chatbot de forma indevida, algumas perguntas e respostas podem causar estranhamento para jogadores e consequências que ultrapassam os limites do jogo.

COMO UTILIZAR A FERRAMENTA

Devido a todas as questões a serem analisadas, entender a forma adequada de utilizar a ferramenta é fundamental para aplicá-la. Para ter acesso à ferramenta e começar a fazer testes, é preciso entrar no site oficial da OpenAI, clicar no botão “Try ChatGPT”, fazer o login e direcionar seus comandos ao robô.

Para acessar a plataforma, clique aqui

ENTREVISTA

Em entrevista exclusiva para a Revista TI Nordeste, o especialista em transformação digital Cezar Taurion explicou como o ChatGPT pode, dentro das suas limitações, impulsionar a sociedade, em especial no mundo dos negócios. Como um dos maiores nomes da Tecnologia da Informação no Brasil, Cezar é sócio da KICK Ventures, vice-presidente de Estratégia e Inovação da Cia Técnica e mentor em empreendedorismo.
 

Vivemos em uma cultura da inovação que nos incentiva constantemente a aprimorar o uso de recursos, buscar novas formas de produzir e perceber um dilema entre o desenvolvimento e os limites da Inteligência Artificial. Diante disso, na sua opinião, como o uso, em especial do ChatGPT pode agregar valor ao mundo corporativo brasileiro?

O chatGPT em si é apenas mais uma ferramenta de IA. Está sendo muito falada porque para muitas pessoas é a primeira vez que estão tendo contato direto com uma tecnologia avançada de IA. Para muitos, o chatGPT foi como se eles fossem dormir na idade média e acordassem no dia seguinte na era espacial. Um choque, mas quem acompanha o setor de perto, não se surpreendeu. Ele, baseado nos modelos chamados de LLM (Large Language Models) usa sofisticados algoritmos treinados em imensos volumes de dados, mas são modelos estatísticos que procuram identificar qual seria a próxima palavra a seguir outra. O termo IA surgiu em 1956 e de lá para cá vimos ondas de entusiasmo e decepção. Estamos no meio de outra onda de entusiasmo, potencializada pela liberação publica da ferramenta e pela facilidade de uso e disponibilidade de acesso via internet. Mas a IA já está presente em todos os setores, como na medicina, finanças, logística, varejo e assim por diante. O uso de IA, usado de forma adequada pode sim, trazer grandes resultados para as empresas, mas as decisões de uso têm que ser fortemente embasadas em problemas reais de negócio, não por modismo.

No final de janeiro deste ano, de acordo com pesquisas de termos no Google Trends, o ChatGPT alcançou um aumento de busca considerável no Brasil. Quais os recursos necessários para começar a investir nesse tipo de ferramenta?

Vejo um super entusiasmo, impulsionado pelo overhype, com afirmativas bombásticas que o chatGPT vai revolucionar a sociedade e acabará com muitos empregos. É verdade que o chatGPT é, ao lado de outras inciativas, um passo à frente na evolução dos chamados sistemas de IA. Mas, devemos ser realistas, sair do campo da emoção e analisar a tecnologia com racionalidade. Onde ele pode e deve ser adequadamente usado? Temos que saber de forma clara e consciente onde o chatGPT pode agregar valor e olhar com atenção suas limitações. Por exemplo, use uma matriz 2x2 que cruze fluência e acurácia e, naturalmente, os riscos de uso. Fluência é o quão natural a resposta precisa ser e precisão é o quão assertivo ela precisa ser. A fluência é diferente da precisão ou acurácia, e os riscos envolvidos variam amplamente entre os casos de uso. Necessidade de precisão é quão importante é a precisão para o caso de uso. Pode não ser importante ao escrever um poema, mas é muito importante ao fornecer aos usuários recomendações para uma compra de algo caro. Analise então qual é o risco da IA errar na resposta. Ter ao mesmo tempo alta fluência e precisão está atualmente fora de alcance, devido às limitações dos próprios sistemas LLM.  

Avalie também se o caso de uso específico tem escala. Ou seja, sua resposta mudará se a tarefa for alavancar a IA (assumindo nenhuma ou mínima intervenção humana) para escrever milhões de poemas ou fornecer milhões de respostas nas quais as pessoas confiarão para fazer decisões importantes? Os riscos e responsabilidade são outros. O uso individual é uma coisa. O uso para milhões de pessoas ou por corporações é outro. Em resumo, os sistemas LLMs como o chatGPT são ótimos para casos de uso de alta fluência e baixa acurácia. Mas não são adequados para casos de uso de alta precisão. Para casos de uso de alta precisão, é necessário intervenção humana para verificar a saída produzida pelo chatGPT. Os custos vão depender de quanta demanda por intervenção humana será necessária e validar com os eventuais riscos embutidos. 

De acordo com a sua experiência, quais os impactos mais expressivos do ChatGPT para a economia?

Automatizar aquelas tarefas robotizadas que nós fazemos, e com isso nos liberar tempo para dedicar mais atenção às tarefas que exijam cérebro humano. Quanto vai impactar depende do grau de disseminação por setores, que tem características operacionais diferentes entre si. As empresas não são homogêneas. Basta ver o smartphone e a própria internet. Os impactos foram diferentes nos setores e empresas, algumas mais (dependem até disso para existir como Uber ou Waze) e outras usam apenas em algumas atividades. 

Tratando da relação entre empreendedorismo e ChatGPT, como a ferramenta pode ajudar pequenas e médias empresas a elevarem seu nível?

A tecnologia em si não resolve nada. O uso pelas pessoas e as mudanças que podem ser feitas nos processos é que impactam os negócios. As empresas, de qualquer tamanho, podem colocar qualquer tecnologia, pois muitas estão disponíveis nas prateleiras e até gratuitas ou a custo muito baixo, mas o que vai diferenciar é o seu uso pelas pessoas e como os processos serão melhorados. 

Matéria produzida por: Anna Julia Barbosa Leia a revista
Redação, 20.ABRIL.2023 | Postado em Capa

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